Ilda Maria Costa Brasil, Celeiro da Alma

"Sonhar é acordar-se para dentro." Mario Quintana

Textos



OS MORADORES DO SINISTRO CASARÃO
 
Em Santa Maria, havia, no Morro da Coruja, um casarão antigo. Corriam boatos, entre jovens e adultos, que vivia uma família estranha e enigmática e que pouco se conhecia deles.
Sabia-se apenas que o pai se chamava Pedro e tinha quarenta e quatro anos; a esposa, Sofia, trinta e nove anos. Tinham quatro filhos: Eduardo, com doze anos; Fernando, oito; Ana Maria, quatro, e Clara Maria, dois. Existiam também outras pessoas que circulavam na residência: os empregados Alfredo, o mordomo; Glória, a babá; Isabel, a cozinheira; Carmem, a auxiliar de serviços domésticos, e Osvaldo, o jardineiro.
Certo dia, Isabel, conversando com o jardineiro, deixou escapar que os Freitas Barcellos tinham hábitos nada comuns. Relatou que pouco saiam de casa e, quando saiam, tinham por costume assistir a alguma peça infantil no Theatro Treze de Maio, ou para visitar a Catedral de Nossa Senhora da Conceição.
O casal ia a Três Coroas todos os meses.
Carmem, sempre que os patrões viajavam, dormia no casarão para fazer companhia à Glória. Com frequência, vê-se a pensar nos motivos que podem justificar algumas pessoas a semearem maldades e sofrimentos. E, para afastar tais pensamentos, pega um livro para ler.
Deparou-se com o livro “Crime e Castigo”, obra volumosa, cujas cores da capa transpassaram-lhe mistério e tensão. Ao manuseá-lo, teve uma sensação esmagadora. O coração disparou; suas mãos ficaram frias e, por alguns segundos, perdeu a noção de espaço.
O ar, aos poucos, ficou impregnado de um cheiro forte de jasmim e um longo arrepio passou-lhe pelo corpo. O clima era pesado e misterioso. Dirigiu-se à janela certa de que Osvaldo estava colhendo flores. Olhou para os lados e, surpresa, viu que não havia ninguém próximo ao pé de jasmim, fato que a deixou preocupada.
Passados alguns minutos, voltou à leitura; no entanto, a sua concentração foi quebrada por um barulho ensurdecedor que veio do jardim da casa. Levantou-se e chamou por Alfredo. Esse, rápido, chegou ao local onde ela se encontrava e perguntou:
A senhorita também ouviu?
Ela, trêmula, fechou o livro e encolheu-se no sofá. Alfredo, ao abrir a janela, foi tomado de uma expressão assustadora e, com uma voz grave, disse:
Vá para seus aposentos.
É muito tarde. Nisso, vários pássaros negros passaram a bicar os vidros da janela e o cheiro de jasmim se intensificou.
Ouviu-se outro ruído intenso no ar e pedaços de pedras caindo para todos os lados, como se uma pedreira tivesse acabado de ser explodida. Vento sibilante! Gritos apavorados! Pontos luminosos, trêmulos...
As luzes se apagaram e, em meio à escuridão, o pio de uma coruja ecoou no ar. 
Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 13/09/2016
Alterado em 13/09/2016
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