APOSTAS E DESEJOS
Para muitas famílias, o réveillon vai além das animadíssimas celebrações, quando parentes e amigos se reúnem para festejar a chegada de um novo ano e dos tradicionais sete pulinhos no mar à meia-noite. É também o momento em que renovamos nossa esperança e depositamos aquela fezinha na sorte. Considerada a maior loteria do Brasil, a Mega-Sena da Virada é aguardada ansiosamente por muitos brasileiros. Durante os últimos dias de dezembro, as filas quilométricas em torno das Casas Lotéricas se tornam um retrato do país: gente de todas as idades e histórias unidas por um desejo comum. Ali, cada bilhete é mais do que um mero pedaço de papel; é um convite para sonharmos com uma vida diferente, carregada de felicidade, realizações e novas possibilidades, que só o dinheiro e um pouco de esperança parecem oferecer. Na pequena lotérica da Glória, bairro situado na zona leste da capital gaúcha, o sol preguiçoso de fim de tarde ilumina brandamente a calçada, onde um amontoado de pessoas, cansadas e em pé, avança lentamente para dentro do estabelecimento. Dona Olinda, uma doce senhora de 75 anos que, apesar da idade já avançada, está sempre bem-humorada e com um enorme sorriso radiante estampado no rosto, é a primeira na fila. Logo atrás dela encontra-se Priscila, uma enérgica e alto-astral motorista de ônibus intermunicipal. Aos 37 anos, a jovem, movida por uma rotina intensa de viagens, anseia em trocar de emprego para outro mais calmo e tranquilo. Embora goste de fazer essas viagens, apreciando a leve brisa da estrada enquanto dirige, o desejo de passar mais tempo com seus filhos e família pesa mais. Ver o crescimento de suas crianças à distância é fonte de profunda e constante tristeza a ela. De repente, perdida nesses pensamentos, vira-se para Dona Olinda e exclama: — Ah, Dona Olinda, imagina só se, neste ano, eu ganhar a “Mega”... Assim que recebesse o valor, a minha prioridade seria fazer uma aventura com meus filhos para a Disney, em Orlando, nos Estados Unidos. Este é tanto o sonho deles quanto o meu! Dona Olinda, com um olhar um tanto disperso, exausta de pernear pela cidade desde cedo, abre aquele seu belo sorriso acolhedor e responde: — Pois é, minha guria, sonhar nunca é demais! Por exemplo, o meu maior desejo é largar do barranco onde moro, com tudo caindo aos pedaços, e comprar um sítio bem bonitinho lá pelos lados do Lami. Quero mesmo é poder passar o resto dos meus dias em volta da natureza, tomando um chimarrão com meu velho enquanto ouvimos o terno canto dos passarinhos. A fila, ainda longa, vai se movimentando lentamente, devagar quase parando; contudo, as pessoas ali aguardando mantêm a fé em dias melhores. Mais ao final da fila, um grupo de jovens conversa euforicamente, planejando como gastariam o prêmio, enquanto um senhor de cabelos grisalhos e olhos castanhos, segura firmemente seu bilhete em uma das mãos, como se fosse um amuleto, e na outra, sua bengala. Dentro da lotérica, o atendente Rogério, um homem alto de meia-idade, 45 anos, segue no ritmo frenético, como é de costume nos dias que antecedem a virada de ano. Cansado da longa jornada de trabalho a que está submetido, esforça-se para atender cada cliente com a maior paciência e acolhimento possível. Enquanto registra números, efetua o pagamento de boletos bancários e escuta fragmentos de conversas que chegam aos seus ouvidos, ele se pega pensando: — E se fosse eu o sortudo vencedor da Mega-Sena? O que faria primeiro? Quitaria o financiamento da minha humilde residência ou faria uma viagem com os filhos que nem aquela moça? Na entrada da lotérica, Priscila e Dona Olinda escutam os murmúrios do atendente: — Com certeza, uma viagem! — dizem ambas simultaneamente, rindo da coincidência. Naquele entardecer, a fila da lotérica parecia concentrar os anseios de um país inteiro. Dona Olinda, Priscila, Rogério, os jovens e o senhor de bengala: cada um carregava consigo um sonho único, mas todos compartilhavam o desejo por algo maior, por um futuro mais generoso. Mesmo que a maioria saísse dali para enfrentar os mesmos desafios de sempre, por alguns minutos, puderam se imaginar em um mundo diferente, impulsionados pela fé em dias melhores. Talvez esse seja o verdadeiro encanto das apostas e dos desejos: mais do que a promessa de riqueza, é a capacidade de reacender uma fagulha de esperança no coração das pessoas. Na lotérica da Glória, todos sabiam que os números sorteados poderiam não coincidir com os seus. Mas isso pouco importava diante da sensação de que, por um instante, o ano novo trazia a possibilidade de novos caminhos, novos sonhos e, quem sabe, um pouco mais de coragem para transformar a esperança em realidade. Tiago Dariano Slompo - 19 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 16/01/2025
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