MEMÓRIAS EM TRÂNSITO
Perto do Colégio Liceu Franco-Brasileiro, em meio ao vaivém apressado das pessoas na Estação de Metrô do Largo do Machado, vive um casal de estrangeiros em um modesto apartamento no coração do bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Chen, de trinta anos, é um homem chinês de estatura baixa com olhos azuis tão profundos quanto o Oceano Índico. Nascido na capital da província de Yunnan, situada no sudeste da China, é um jovem de poucas palavras, cuja personalidade autêntica e trabalhadora inspira e atrai todos ao seu redor. Chen é um prodígio diretor de cinema, esbanjando talento e carisma. Ele trabalha na ‘Cine8 Filmes’, uma conhecida produtora de vídeos carioca com sede no bairro da Glória, na zona sul do Rio de Janeiro. Assim como a empresa com a qual tem vínculo, Chen adora produzir conteúdos audiovisuais impactantes, criando e narrando histórias que incitam mudanças na sociedade. Seu último projeto foi um filme publicitário para uma campanha do Grupo Boticário, inspirado nas séries e filmes asiáticos, os mundialmente famosos ‘doramas’. O jovem chinês, que se mudara para o Brasil com seus vinte anos, é apaixonado pela música e sonoridade brasileira, especialmente pela bossa nova. Sua mãe, Mei (美), cujo nome significa “bela” ou “graciosa” em mandarim, era uma fã fervorosa do cantor Tom Jobim e, assim como o filho, era encantada pelas tradições e costumes do Brasil. Falecida em sua própria casa, na China, há menos de um ano, vítima de um câncer, Mei sonhava em morar no Brasil e conhecer sua cultura. Contudo, infelizmente, não conseguiu realizar esse desejo. No início do próximo mês, Chen completa três anos de casado com Rosé, uma australiana de 25 anos. Nascida em Perth, metrópole situada na costa sudeste da Austrália e conhecida por suas praias deslumbrantes de águas cristalinas, Rosé mudou-se, bem moça, aos cinco anos, para Gunsan, uma cidade portuária localizada na província de Jeonbuk, na Coreia do Sul. Jornalista da editoria de cultura do ‘Jornal O Globo’, Rosé sempre foi apaixonada por literatura e escrita. Embora adorasse jogar tênis na infância e desejasse seguir a carreira esportiva, ela tinha ciência de que o Jornalismo surgiria em sua vida, em algum momento, como uma força inabalável, por influência de seu avô. Park Young-soo, avô de Rosé, falecido há em torno de quinze anos, era um renomado jornalista de guerra sul-coreano, que adquiriu vasta experiência cobrindo conflitos extremamente relevantes na formação do mundo que conhecemos hoje, como a Guerra da Coreia (1950-53) e a Guerra do Afeganistão (1979-89). Seu jeito rígido e conservador, moldado pelas atrocidades que testemunhara durante as coberturas, marcou profundamente Rosé, que herdou dele a paixão pelo Jornalismo. Em sua visão, ser um bom jornalista excede o simples ato de noticiar fatos, mas sendo necessário ter senso crítico e coragem para denunciar injustiças, sem autocensura ou medo. Nos últimos meses, Chen e Rosé estavam ocupados planejando uma viagem especial para comemorarem o aniversário de casamento deles. A ideia era embarcar em uma aventura que os unissem e os reconectassem às suas raízes. Decidir o destino não foi uma tarefa fácil, mas, após muita conversa, optaram em irem à Gunsan, cidade onde Rosé cresceu e lar das lembranças dela com o avô. Inicialmente, Chen estava hesitante, mas viu na viagem uma oportunidade de se reconectar com sua própria história ao lado de Rosé. A jornada prometia ser não apenas uma celebração do amor que tinham um pelo outro, mas também uma rememoração às vivências e locais que moldaram o jeito que são hoje em dia. Ao chegarem em Seul, após uma longa e exaustiva viagem de avião, se deslocaram rapidamente até a estação de trem, rumo a Gunsan. Após mais duas horas, desembarcam na cidade interiorana, onde foram tomados por um misto de sentimentos, como nostalgia, saudade e alegria. Após se instalarem no hotel onde se hospedariam, se deitaram na cama e começaram a dormir para renovarem as energia para os passeios planejados. Na manhã seguinte, logo cedo, partiram para explorar a cidade. A primeira parada, escolhida por Rosé, foi a biblioteca perto do cais, onde passara muitas tardes com o seu avô lendo livros de suspense, gênero favorito dos dois. Enquanto folheava um livro antigo, com páginas amareladas, desgastadas pelo tempo, Rosé começou a se emocionar e a chorar, lembrando-se das vezes em que seu avô leu aquela mesma história para ela. Para Chen, Gunsan era acolhedora e familiar; contudo, a cidade também foi um choque tanto cultural quanto emocional para ele. Apesar de certas semelhanças com Kunming, cidade onde cresceu, a cultura local é distinta. Ao visitar um museu dedicado aos correspondentes de guerra, ele conseguiu compreender o peso e impacto do legado do avô de Rosé, Park Young-soo. Ali, entre fotografias e cartas do falecido jornalista, Chen encontrou uma nova inspiração para uma nova arte cinematográfica. No último dia antes de regressarem ao Brasil, Rosé levou Chen a um mirante com vista para o mar. Ali, contou, em lágrimas, o que o seu avô costumava contar a ela: "O oceano é um poderoso conector, unindo histórias e povos distantes que ainda não se conhecem." Ao ouvir essas palavras, Chen, também com os olhos marejados, lembrou-se de sua mãe e de seu desejo de conhecer o Brasil, refletindo sobre como, de certa forma, está vivendo o sonho dela. De volta ao Rio de Janeiro, Chen e Rosé decidiram criar juntos um documentário sobre a viagem. Intitulado ‘Memórias em Trânsito’, o projeto tornou-se um tributo às suas origens e à rica herança cultural asiática. O filme foi lançado na internet e, para a surpresa de ambos, recebeu uma resposta calorosa do público, especialmente de pessoas que também lidam com a perda, a saudade e a busca por conexão. O sucesso inesperado é uma confirmação de que as melhores histórias são aquelas que vêm do coração, e que, mesmo em diferentes idiomas e culturas, sentimentos como amor e memória são universais. Tiago Dariano Slompo – 18 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 07/12/2024
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