O FAROL DA DIVINDADE
O sol volta a brilhar em alguns pontos do Rio Grande do Sul. Após dias inteiros mergulhados numa noite sem fim, o sol timidamente volta a derramar calidez e esperança sobre um povo combalido. Desde que as chuvas se intensificaram e forçaram os gaúchos a reviver traumas e tocar feridas ainda abertas, o estado experimentou a força da união e o incansável trabalho de resgate e limpeza novamente. Grupos de voluntários foram formados; cestas básicas foram entregues. Aqueles que, por distância ou dever, não puderam se fazer presentes, encontraram nas doações, no compartilhamento de instruções e informações e, principalmente, no bem-querer, maneiras de fornecer apoio. Os resgates continuam, da mesma forma que, em vários lugares, os alertas ainda pairam no ar. O pesadelo abrandou-se em algumas cidades, mas ainda não nos deixou por completo – tampouco insinua cicatrizar. Famílias perderam lares. Lares perderam vidas. Vidas perderam propósitos. É quase insensato vislumbrar o sofrimento de um irmão cujo labor tenha sido lavado – e levado – embora, e lhe dizer que bens materiais podem ser reconquistados. Que a casa pode ser reconstruída, ao passo que a existência deixa de estar. É cristalino que, diante da crise, sobreviver é o verdadeiro diamante. Mas colocar-se na posição de alguém que perdeu seu teto, seu sustento, seu alimento, também é essencial enquanto exercício de empatia. Os trabalhos seguem sem previsão de acabar. Afinal, ainda há uma centena de desaparecidos. Cidadãos ilhados ainda clamam por amparo; outros tantos carecem de um abraço, uma certeza e uma refeição. O caos e seu formidável poder destrutivo, que varre o que enxerga e deixa consequências muito mais duradouras do que a memória coletivo-ambiental, agora reacende o debate: o que (ainda) pode ser feito para aplacar um cataclisma? Na mesma seara, a iminência do desastre recoloca o holofote sobre o altruísmo: era mesmo necessário encher o tanque de gasolina e esvaziar as prateleiras de comida? A questão voltará a hibernar uma vez que o Rio Grande recoloque-se em pé... mas, de novo, passou-se outro fim de mundo sem que tenha sido resolvida. A luta continua – ou, melhor dizendo, a peleia permanece; o gaúcho e sua casca grossa encaram “a lida” mais uma vez. Mas, ao menos, o tímido sol que ganhou os céus e pampas em muitas localidades do RS trouxe um pouquinho d’um frescor de primavera fora de época. Mais do que isso: representou alento e esperança em um futuro melhor. Como tão sabiamente canta o hino rio-grandense, pode ter sido a aurora precursora de um farol da divindade. Um para pôr fim à treva... e iluminar os dias à frente. Ariel Fedrizzi – 27anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 11/05/2024
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