Ilda Maria Costa Brasil, Celeiro da Alma

"Sonhar é acordar-se para dentro." Mario Quintana

Textos



O BISÃO NEGRO: ESTRADA
 
O caminho entre Vogar e o castelo do duque Barlad é longo para se ir caminhando sozinho, mas Jon tem a companhia de Trincado e conhece bem o caminho.
– Ainda não estou acreditando que meu pai me mandou te levar – diz Jon, ditando a velocidade da caminhada. – Já fui várias vezes até Vogar, e também até Grisgown em outras ocasiões, mas meu pai não gosta muito do novo rei, por isso nos mantínhamos longe de lá. Além disso, o festival de Vogar é muito mais bacana que qualquer coisa que aconteça na cidade.
Trincado olha o acompanhante, lançando seu olhar tedioso e entristecido.
– Você sabe o que estou fazendo? Pra onde estou te levando? O que vai acontecer? Eles não querem sua carne, não ligam pra isso. Apesar de que devem fazer um churrasco sim. Mas o importante é o seu pelo, ou melhor, a cor dele. Quem diria que um bisão negro seria tão importante a ponto de ser escolhido para servir de manto em uma coroação. E o melhor de tudo é que foi escolhido apenas por ter os pelos pretos ao invés de brancos.
O bisão vira o rostão para Jon mais uma vez, parecendo cansado da conversa sem graça. Mas é apenas um animal assustado que não tem coragem de correr em fuga.
– Também passei por isso. Não posso dizer que é igual, claro. Ser julgado pela cor dos pelos é algo que nunca devo experimentar. Mas ser um Barlad, o único e primeiro filho de um Barlad, é algo que me incomoda as vezes. Além de ser escolhido para honras que não mereço, mesmo que minúsculas, também não sou chamado pras coisas que quero fazer. Os garotos não me chamam pra brincar de espada porque tem medo de me machucar e perder uma mão. Sofro por ser nobre.
Trincado bufa, incomodado com a conversa do menino, mas ainda se mantêm na estrada.
– Gosto de Vogar porque poucos sabem quem sou. Só preciso me manter longe do meu pai e tirar esse lenço estúpido – Jon pega o cachecol colorido e olha um dos quadrinhos que mostra os heróis levantando suas espadas lendárias. – Como pretendem que eu me torne um grande espadachim sem treinar? – um pouco irritado, o menino puxa o lenço sem querer e ele voa pela neve.
Jon corre em desespero atrás do cachecol, mais desespero do que deveria estar por uma peça de roupa que despreza. Mesmo sendo cara. Trincado para de andar quando vê o topo nu da cabeça do garoto, queimado e deformado. A pele está bagunçada, estranha. Cabelo nunca nascerá lá novamente.
– Droga – reclama Jon finalmente agarrando o cachecol e o pondo na cabeça. – Vou ter que colocar o lenço dentro da blusa – ele enfia as pontas por dentro da camisa, deixando apenas o capuz de fora, tapando seu cocuruto. Ele se volta ao bisão que mantêm os olhos fixos, sem disfarçar a surpresa. – Você nunca tinha visto? Pensei que todos, até vocês, sabiam disso aqui. Não é algo que vou te contar, nada pra saber além que tenho a careca queimada. Somos mais parecidos do que pensei, Trincado. Eu tenho a cabeça queimada e você um chifre quebrado.
O bisão negro pisa fora da estrada, na direção das árvores ao oeste. Ele caminha sem pressa, mas constante, saindo do caminho e se embrenhando na natureza.
Lucas de Lucca – 23 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 13/09/2020
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