Ilda Maria Costa Brasil, Celeiro da Alma

"Sonhar é acordar-se para dentro." Mario Quintana

Textos



O BISÃO NEGRO: JON
 
Jon está sobre Trincado, ele empurra com seus pequenos pés as nádegas do grande bisão negro que insiste em não sair do cercado.
– Vamos logo, o caminho já será ruim o suficiente, não me faça começar tão mal o dia – Jon reclama enquanto os criados de seu pai riem baixinho.
O duque o observa, esperando seu filho descobrir uma forma de tirar Trincado de lá. O menino Barlad é muito esperto, mais do que seu pai. Puxou a mãe.
– Me diz de novo por que tem de ser o maior e mais gordo dos bisões?!
– Não é por ser o maior, nem mais gordo. Apesar de que Grisgown precisará de muito pano para cobrir seu corpo ocioso. Trincado é o mais antigo do bando, um líder respeitado. No entanto, isso está diminuindo a reprodução deles. O garotão está velho, – o duque dá tapinhas carinhosos no bisão – não consegue mais montar nas fêmeas.
– Temos outros machos, mais novos.
– Temos sim, mas eles não ousam desafiar Trincado, deixam tudo pra ele, mas ele não faz nada.
– E por isso vai mandar ele pro sul? Por que não aproveita que é o maior e fazemos um churrasco?
O duque olha Trincado nos olhos negros e enormes. Ele sorri, sentindo a apreensão no animal. Ele acredita que os bisões compreendem o que lhes é dito.
– Eu não conseguiria fazê-lo – ele acaricia o animal e se afasta. – Agora vamos, tire ele daí. Estamos na metade da manhã e você precisa sair antes do sol alcançar o topo, ou chegará muito tarde à Vogar.
– São seis horas de caminhada até aquela vila. Poderia enviar algum desses idiotas que estão rindo de mim.
– Os idiotas têm outras funções no castelo e precisamos de todos eles – o duque faz os serviçais pararem de rir com uma olhada.
Jon para de empurrar Trincado e desce de suas costas. Ele sai do cercado e para em frente ao pai.
– Como você faria?
– Não teria que fazer, ele me obedece.
– E como fez ele te obedecer?
– Com confiança inabalável e um sorriso sincero.
O garoto Barlad olha Trincado e mostra os dentes, o bisão parece fazer cara de susto ao ver a careta do menino.
– Não funcionou – ele reclama.
– Você quer levar o animal para a morte, ele não pode confiar em você – explica o duque. – O que você está fazendo é algo horrível, cruel, ao ponto de vista do Trincado.
– Então, por que estamos fazendo?
– Porque é preciso. Eles estão no nosso estandarte, mas somos nós que vivemos dentro do castelo.
O menino para de falar e agir tanto, ele pensa no que o pai disse. Pensa no que faria seu pai sair da cama. Pensa em como sua mãe faria caso ele precisasse ir cortar lenha, por exemplo. Jon abandona o lado de fora do castelo, mas ninguém lhe diz nada. Ele volta pouco depois com um buquê de cenouras frescas, recém-colhidas e lavadas. Trincado abre os olhos com mais força em frente ao laranja do legume.
– Se vier comigo te deixo comer todas, mas não de uma vez – anuncia Jon, balançando as cenouras em frente ao animal, mas nada acontece. Trincado resiste.
– Tome – o duque estende a ele sua adaga, ainda dentro da bainha.
Jon olha a faca e os olhos do seu pai. Aquela lâmina foi dada a ele de presente pelo próprio Curi, que dizia ser uma arma enfeitiçada, dotada de talentos misteriosos e forjada com um metal raro. Desenhos negros manchavam o prata, fazendo-a realmente parecer mágica.
– Não posso.
– Pegue, é um presente temporário para resolver seu problema e te proteger na estrada. Me devolva quando voltar de Grisgown.
Jon não responde, mas agarra o cabo da arma e a tira da bainha. Diferente de uma adaga comum, esta tem uma alça na empunhadura. Era como pegar uma xícara para beber chá, mas nesse caso não se deve levar a lâmina à boca.
O menino observa os desenhos no metal, Curi diz que parecem pelos enrolados, como os de um bisão. Foi por isso que presenteou duque Barlad com ela. O garoto usa a lâmina para cortar a cenoura, tirando a casca e arranhando sua superfície. O odor do legume chega às narinas de Trincado, que saliva.
O bisão negro dá um passo à frente e abocanha a cenoura, ele come outra, mais uma, e na terceira sente o portão da cerca fechar atrás de si.

 
Lucas de Lucca – 23 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 08/09/2020
Alterado em 08/09/2020
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