O BISÃO NEGRO: BARLAD O bisão de pelo negro acorda mais tarde que os outros, sentindo a cerca tremer. Os olhos e boca do animal se abrem, sentindo o gosto do começo da tarde. Trincado levanta devagar e enxerga o duque servindo o cocho com cenouras frescas. Ele acaricia alguns dos animais, incitando que comam, mas eles esperam o líder. Com passos vagarosos e pesados, Trincado chega até o comedouro, recebe um cafuné do duque e engole algumas das cenouras. Os outros também vêm, tomando o espaço que ainda restava, expulsando duque Barlad das redondezas do cocho. Ele tropeça para trás e cai dentro do recipiente de água, mas este ainda está vazio. – O quê? – ele pergunta a si mesmo, surpreso por não estar de calças molhadas. Se pondo de pé num pulo, o duque ri com dissabor, passa a mão pelo couro duro de Trincado e pergunta como se fosse receber uma resposta. – Vocês estão sem água desde ontem, não é mesmo? O bisão responde do seu jeito, com um alto mugido. O duque deixa o riso escapar mais forte, enquanto sai do cercado para buscar o balde no poço. Ele o enche uma vez e traz até o recipiente. Repete mais três vezes até que Jon aparece, quando o trabalho foi terminado. – Você falhou com sua obrigação, mais uma vez – diz o duque limpando as mãos na neve. Jon não responde, primeiro ele olha o cocho cheio, o círculo da água também, e então devolve. – Coloquei água pra eles. Acho que devemos diminuir o sal. Eles estão com muita sede. Jon tem a pele branca como a neve, comum no sul. Também tem olhos azuis como o céu limpo e a cabeça escondida por um pano. O cachecol com capuz que leva enrolado no pescoço é muito bonito. Foi feito por tecelãs de Logan e o pano conta a história dos heróis de Ayrlia. As cores saltam do tecido, algo incomum e muito caro. Ouvindo a resposta do filho do Duque, Trincado mugi de novo, mas em tom diferente de antes. – Ele parece discordar de você – retruca o pai de Jon, saindo do cercado e fechando a cerca. – Não vou discutir com um boi. – Não são bois, são bisões negros. Somos os últimos criadores deles no continente inteiro, por isso estão no nosso estandarte – o duque aponta para a bandeira que tremula sobre o castelo. – Eu sei, você diz isso sempre que conhecemos alguém, ou que me esqueço de dar água pra eles. – É o que nos define, Jon, quem somos. Somos criadores de bisões negros. Melhores que os de Gor, inclusive. – Os duques do sul tem castelos maiores que os nossos. Se somos melhores por que temos menos? – Em Gor eles criam da forma errada, mas fazem em quantidade. Não devemos invejá-los por isso, mas sim condecorar suas conquistas. Pena que não fazem o mesmo conosco, ainda, mas tenho uma notícia que o deixará animado. – Alguma fêmea ficou grávida? – Nada como isso. Recebemos uma grande honra, algo que nunca aconteceu antes. – Quase nada acontece tão ao sul, é fácil ser pioneiro. – Jon, mais atenção em como usa as palavras. – Usar elas não é minha atividade predileta, mas me diga qual a honra. – Como já te contei, quando Gor assumiu o trono foi vestido com um manto de bisão negro tirado do animal há menos de um dia. Os flocos de neve que caíram sobre o manto fizeram o rei brilhar durante sua coroação, como se vestisse uma noite estrelada. – Lembro-me de algo assim. – Pois bem, teremos um novo rei ao sul e ele precisa passar pelo mesmo ritual e somos os únicos que ainda criam bisões negros. Entendeu? – Vamos vender um dos bisões para o novo rei, entendi. Mas não é a primeira vez, já que Gor usou um também. – Não é a primeira vez por isso, mas sim porque eles estão pedindo para um duque de Curi enviar um animal. Isso é uma honra enorme, porque ele não nos ordenou, ele teve de pedir. Pediu autorização ao nosso rei e ele permitiu, mas somente se Grisgown, o novo rei, enviasse ele mesmo a solicitação com sua proposta. – Não acho grande coisa, estamos só vendendo um bisão. – Um dia você entenderá como essa venda ajudou nossa família, quando olhar para trás e perceber o que éramos antes disso e o que nos tornamos depois. – Um dia, talvez, mas hoje ainda não. O duque deixa os dentes aparecerem, mas Jon fica em dúvida se ele sorri ou segura a vontade de dar-lhe um sopapo. – E tenho uma novidade para você também. – O que foi? – Você é quem vai levar o bisão até Grisgown. Lucas de Lucca – 23 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 02/09/2020
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