Ilda Maria Costa Brasil, Celeiro da Alma

"Sonhar é acordar-se para dentro." Mario Quintana

Textos



O BISÃO NEGRO: BARLAD

O bisão de pelo negro acorda mais tarde que os outros, sentindo a cerca tremer. Os olhos e boca do animal se abrem, sentindo o gosto do começo da tarde. Trincado levanta devagar e enxerga o duque servindo o cocho com cenouras frescas. Ele acaricia alguns dos animais, incitando que comam, mas eles esperam o líder.
Com passos vagarosos e pesados, Trincado chega até o comedouro, recebe um cafuné do duque e engole algumas das cenouras. Os outros também vêm, tomando o espaço que ainda restava, expulsando duque Barlad das redondezas do cocho. Ele tropeça para trás e cai dentro do recipiente de água, mas este ainda está vazio.
– O quê? – ele pergunta a si mesmo, surpreso por não estar de calças molhadas.
Se pondo de pé num pulo, o duque ri com dissabor, passa a mão pelo couro duro de Trincado e pergunta como se fosse receber uma resposta.
– Vocês estão sem água desde ontem, não é mesmo?
O bisão responde do seu jeito, com um alto mugido. O duque deixa o riso escapar mais forte, enquanto sai do cercado para buscar o balde no poço. Ele o enche uma vez e traz até o recipiente. Repete mais três vezes até que Jon aparece, quando o trabalho foi terminado.
– Você falhou com sua obrigação, mais uma vez – diz o duque limpando as mãos na neve.
Jon não responde, primeiro ele olha o cocho cheio, o círculo da água também, e então devolve.
– Coloquei água pra eles. Acho que devemos diminuir o sal. Eles estão com muita sede.
Jon tem a pele branca como a neve, comum no sul. Também tem olhos azuis como o céu limpo e a cabeça escondida por um pano. O cachecol com capuz que leva enrolado no pescoço é muito bonito. Foi feito por tecelãs de Logan e o pano conta a história dos heróis de Ayrlia. As cores saltam do tecido, algo incomum e muito caro.
Ouvindo a resposta do filho do Duque, Trincado mugi de novo, mas em tom diferente de antes.
– Ele parece discordar de você – retruca o pai de Jon, saindo do cercado e fechando a cerca.
– Não vou discutir com um boi.
– Não são bois, são bisões negros. Somos os últimos criadores deles no continente inteiro, por isso estão no nosso estandarte – o duque aponta para a bandeira que tremula sobre o castelo.
– Eu sei, você diz isso sempre que conhecemos alguém, ou que me esqueço de dar água pra eles.
– É o que nos define, Jon, quem somos. Somos criadores de bisões negros. Melhores que os de Gor, inclusive.
– Os duques do sul tem castelos maiores que os nossos. Se somos melhores por que temos menos?
– Em Gor eles criam da forma errada, mas fazem em quantidade. Não devemos invejá-los por isso, mas sim condecorar suas conquistas. Pena que não fazem o mesmo conosco, ainda, mas tenho uma notícia que o deixará animado.
– Alguma fêmea ficou grávida?
– Nada como isso. Recebemos uma grande honra, algo que nunca aconteceu antes.
– Quase nada acontece tão ao sul, é fácil ser pioneiro.
– Jon, mais atenção em como usa as palavras.
– Usar elas não é minha atividade predileta, mas me diga qual a honra.
– Como já te contei, quando Gor assumiu o trono foi vestido com um manto de bisão negro tirado do animal há menos de um dia. Os flocos de neve que caíram sobre o manto fizeram o rei brilhar durante sua coroação, como se vestisse uma noite estrelada.
– Lembro-me de algo assim.
– Pois bem, teremos um novo rei ao sul e ele precisa passar pelo mesmo ritual e somos os únicos que ainda criam bisões negros. Entendeu?
– Vamos vender um dos bisões para o novo rei, entendi. Mas não é a primeira vez, já que Gor usou um também.
– Não é a primeira vez por isso, mas sim porque eles estão pedindo para um duque de Curi enviar um animal. Isso é uma honra enorme, porque ele não nos ordenou, ele teve de pedir. Pediu autorização ao nosso rei e ele permitiu, mas somente se Grisgown, o novo rei, enviasse ele mesmo a solicitação com sua proposta.
– Não acho grande coisa, estamos só vendendo um bisão.
– Um dia você entenderá como essa venda ajudou nossa família, quando olhar para trás e perceber o que éramos antes disso e o que nos tornamos depois.
– Um dia, talvez, mas hoje ainda não.
O duque deixa os dentes aparecerem, mas Jon fica em dúvida se ele sorri ou segura a vontade de dar-lhe um sopapo.
– E tenho uma novidade para você também.
– O que foi?
– Você é quem vai levar o bisão até Grisgown.
Lucas de Lucca – 23 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 02/09/2020
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