ARTIMANHAS DA VIDA Luzia, aos quinze anos, trocou o interior pela capital; iria trabalhar de babá numa casa e, à noite, estudaria. Sonhava fazer o ensino médio e, depois, uma faculdade. Em seu coraçãozinho, muitas expectativas; na mala de lona, poucos pertences; eram pobres. Os patrões a tratavam bem e a criança, a quem cuidava, tinha-lhe muito carinho. Certa noite, ao sair do colégio, chovia a cântaros. Como não estava prevenida, abrigou-se embaixo de uma marquise. Nada da chuva diminuir. Nisso, ouviu: – Venha cá, menina. Vais ficar doente. Ao sentar-se, no carro, percebeu que não era o dono da casa onde trabalhava. – Moço, abra a porta. Preciso descer. – Calma. Não lhe farei mal. Tenho irmãs da tua idade. Hum... me chamo Pedro Henrique. Onde moras? Nervosa, disse-lhe o endereço. Ele falou: – Fica a caminho. Durante o trajeto, nem mais uma palavra. Quando, Pedro Henrique parou em frente ao prédio, a menina agradeceu e saiu correndo. Por um tempo permaneceu ali. Em seus devaneios, pensou: – E eu que acreditava não haver mais meninas puras assim! O tempo foi passando e as caronas continuaram acontecendo. Certo dia, um clima romântico pintou. A menina, entusiasmada, escreveu aos pais contando a novidade. A mãe, ao ler a cartinha, preocupou-se e respondeu-lhe, pedindo que fosse cuidadosa. Ela sorriu e falou: – Pedro Henrique me ama! Meses depois, os patrões de Luzia foram ao interior informar aos seus pais que ela estava grávida. Esses perguntaram à filha: – O teu namorado está sabendo? – Está. – O que ele disse? – Nada. Sumiu. – Meu Deus! E agora? Os patrões disseram: – A Luzia pode continuar conosco. Daremos tempo para se organizar. Os pais, sem recursos, concordaram e afirmaram que, dentro do possível, iriam ajudá-la. A gravidez de Luzia foi tranquila. Durante o pré-natal, o obstetra recomendou-lhe repouso, embora tudo indicasse que seria um parto normal. Em fins de setembro, nasceu a bebê, a quem Luzia chamou de Letícia. Quinze anos se passaram. Luzia trabalhava com artesanatos e a filha estudava numa escola particular. Num domingo, ao mexer numa caixa de lembranças de sua mãe, achou uma fotografia da mesma abraçada a um jovem, com o qual se identificou. Dando continuidade à sua busca, no verso, um nome e um endereço. Decidiu procurá-lo; queria ter, na certidão, o seu nome. Nada falou à mãe. Dias depois, foi ao escritório, sendo informada que ele havia se aposentado. Na hora, desesperou-se. Transcorrido alguns minutos, disse à recepcionista que era filha de uma prima dele e que a mãe pedira para levar notícias, era o único parente que lhes restara; voltaria ao interior no fim do dia. Sensibilizada com as palavras da menina, deu-lhe o endereço residencial. Por duas semanas, Letícia observou a rotina da família. Numa tarde, ao ver um senhor grisalho sentar-se no jardim da casa, aproximou-se: – Pedro Henrique? – Sim. E você? – Letícia, sua filha. – Estás louca, menina! – Sou filha da Luiza e sua. – O que queres de mim? – Quero ser reconhecida como filha. Só isso! – Tua mãe nunca me procurou. Vá embora, minha esposa e meus filhos estão por chegar. – Vou, mas voltarei. Mal Letícia afastou-se, Pedro Henrique entrou e ligou a um colega. Expôs-lhe a situação. Esse ponderou que seria melhor atender ao pedido da garota. Ela sabia muito bem o que queria. Três dias depois, Letícia retornou. Encontrou-o no portão, parecia estar aguardando-a. – O que o senhor tem a me dizer? – Estou estudando o seu caso. – Meu caso? Não. Seu. – Como você se chama, mesmo? – Letícia. – Deixa um telefone para contato. Ligarei quando tiver uma posição. – Que seja em breve, caso contrário, voltarei. Boa-tarde! Após cinco dias, recebeu a ligação do pai, pedindo que ela e a mãe fossem ao cartório. Lá, ele e um advogado as estariam esperando. Recomendou-lhe que não se atrasassem. Ao rever Luzia, emocionou-se. Ela, além de demonstrar surpresa, agiu com indiferença. Regularizada a situação, Pedro Henrique informou Letícia que ele faria contato. Ela, com desdém, disse: – O que eu queria do senhor, já consegui. Passar bem. Na saída do cartório, encontraram com três jovens, dois rapazes e uma menina. Um deles perguntou: – Quem são elas? Letícia respondeu: – Ela, a minha mãe, uma ex-namorada dele e, eu, uma filha que acaba de ser reconhecida. E vocês? – Somos os filhos dele. – Prazer! O que um pai não queria unir, o destino aproximou. Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 12/08/2017
Alterado em 26/12/2017 Copyright © 2017. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |