Ilda Maria Costa Brasil, Celeiro da Alma

"Sonhar é acordar-se para dentro." Mario Quintana

Textos



ARTIMANHAS DA VIDA
 
Luzia, aos quinze anos, trocou o interior pela capital; iria trabalhar de babá numa casa e, à noite, estudaria. Sonhava fazer o ensino médio e, depois, uma faculdade. Em seu coraçãozinho, muitas expectativas; na mala de lona, poucos pertences; eram pobres.
Os patrões a tratavam bem e a criança, a quem cuidava, tinha-lhe muito carinho.
Certa noite, ao sair do colégio, chovia a cântaros. Como não estava prevenida, abrigou-se embaixo de uma marquise. Nada da chuva diminuir. Nisso, ouviu:
– Venha cá, menina. Vais ficar doente.
Ao sentar-se, no carro, percebeu que não era o dono da casa onde trabalhava.
– Moço, abra a porta. Preciso descer.
– Calma. Não lhe farei mal. Tenho irmãs da tua idade. Hum... me chamo Pedro Henrique. Onde moras?
Nervosa, disse-lhe o endereço. Ele falou:
– Fica a caminho.
Durante o trajeto, nem mais uma palavra.
Quando, Pedro Henrique parou em frente ao prédio, a menina agradeceu e saiu correndo. Por um tempo permaneceu ali. Em seus devaneios, pensou:
– E eu que acreditava não haver mais meninas puras assim!
O tempo foi passando e as caronas continuaram acontecendo. Certo dia, um clima romântico pintou. A menina, entusiasmada, escreveu aos pais contando a novidade.
A mãe, ao ler a cartinha, preocupou-se e respondeu-lhe, pedindo que fosse cuidadosa. Ela sorriu e falou:
– Pedro Henrique me ama!
Meses depois, os patrões de Luzia foram ao interior informar aos seus pais que ela estava grávida. Esses perguntaram à filha:
– O teu namorado está sabendo?
– Está.
– O que ele disse?
– Nada. Sumiu.
– Meu Deus! E agora?
Os patrões disseram:
– A Luzia pode continuar conosco. Daremos tempo para se organizar.
Os pais, sem recursos, concordaram e afirmaram que, dentro do possível, iriam ajudá-la.
A gravidez de Luzia foi tranquila. Durante o pré-natal, o obstetra recomendou-lhe repouso, embora tudo indicasse que seria um parto normal. Em fins de setembro, nasceu a bebê, a quem Luzia chamou de Letícia.
Quinze anos se passaram. Luzia trabalhava com artesanatos e a filha estudava numa escola particular.
Num domingo, ao mexer numa caixa de lembranças de sua mãe, achou uma fotografia da mesma abraçada a um jovem, com o qual se identificou. Dando continuidade à sua busca, no verso, um nome e um endereço.
Decidiu procurá-lo; queria ter, na certidão, o seu nome. Nada falou à mãe. Dias depois, foi ao escritório, sendo informada que ele havia se aposentado. Na hora, desesperou-se. Transcorrido alguns minutos, disse à recepcionista que era filha de uma prima dele e que a mãe pedira para levar notícias, era o único parente que lhes restara; voltaria ao interior no fim do dia.
Sensibilizada com as palavras da menina, deu-lhe o endereço residencial.
Por duas semanas, Letícia observou a rotina da família. Numa tarde, ao ver um senhor grisalho sentar-se no jardim da casa, aproximou-se:
– Pedro Henrique?
– Sim. E você?
– Letícia, sua filha.
– Estás louca, menina!
– Sou filha da Luiza e sua.
– O que queres de mim?
– Quero ser reconhecida como filha. Só isso!
– Tua mãe nunca me procurou. Vá embora, minha esposa e meus filhos estão por chegar.
– Vou, mas voltarei.
Mal Letícia afastou-se, Pedro Henrique entrou e ligou a um colega. Expôs-lhe a situação. Esse ponderou que seria melhor atender ao pedido da garota. Ela sabia muito bem o que queria.
Três dias depois, Letícia retornou. Encontrou-o no portão, parecia estar aguardando-a.
– O que o senhor tem a me dizer?
– Estou estudando o seu caso.
– Meu caso? Não. Seu.
– Como você se chama, mesmo?
– Letícia.
– Deixa um telefone para contato. Ligarei quando tiver uma posição.
– Que seja em breve, caso contrário, voltarei. Boa-tarde!
Após cinco dias, recebeu a ligação do pai, pedindo que ela e a mãe fossem ao cartório. Lá, ele e um advogado as estariam esperando. Recomendou-lhe que não se atrasassem.
Ao rever Luzia, emocionou-se. Ela, além de demonstrar surpresa, agiu com indiferença.
Regularizada a situação, Pedro Henrique informou Letícia que ele faria contato. Ela, com desdém, disse:
– O que eu queria do senhor, já consegui. Passar bem.
Na saída do cartório, encontraram com três jovens, dois rapazes e uma menina. Um deles perguntou:
– Quem são elas?
Letícia respondeu:
– Ela, a minha mãe, uma ex-namorada dele e, eu, uma filha que acaba de ser reconhecida. E vocês?
 – Somos os filhos dele.
– Prazer! O que um pai não queria unir, o destino aproximou.
 
 
 
Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 12/08/2017
Alterado em 26/12/2017
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