Ilda Maria Costa Brasil, Celeiro da Alma

"Sonhar é acordar-se para dentro." Mario Quintana

Textos



MEMÓRIA CAMPONESA
 
Certa noite, um filme se passou em minha cabeça. Vi crianças auxiliando nos plantios de mandioca, milho, feijão, amendoim e cana. Mulheres, com enxadas, faziam covas; meninos, munidos de bolsas de lona amarradas na cintura, jogando porções de sementes nas mesmas e, meninas, com o pezinho direito, tapam-nas.
O nosso cotidiano, tanto em épocas dos plantios como das colheitas, era o mesmo. Os homens saiam cedo para as lavouras de trigo, arroz ou soja; as mulheres e as crianças para as plantações próximas de casa. Maria e eu usávamos lenço na cabeça e chapéu de palha; blusas de mangas longas e, por baixo dos vestidos, calças compridas, que, sem dúvida, eram de nossos irmãos.   
Participávamos da raspagem das mandiocas com os adultos. Minhas tias e minha mãe faziam do trabalho um momento de recreação, cantando músicas da época em que eram solteiras. Comíamos como se fosse piquenique, galinha farofada, pão, bolos e sucos naturais. Meu avô era o contador de piadas e adivinhações.
Cafés maduros, lá estávamos nós. No galpão, o café era socado num pilão.  As mulheres se revezavam, pois o trabalho era exaustivo. Eu adorava sentir o cheiro do café torrado.
Meus primos e eu aguardávamos a safra do milho com muitas expectativas. Comer milho cozido sentados, na frente da casa, era uma festa. Debulhá-los e desfiar as palhas secas, uma tortura.
Ver as tias e a mãe às voltas com a cana era algo que não gostávamos. Com frequência, machucavam as mãos. Durante o corte, usavam camisas de mangas longas e calças compridas para se protegerem. A nós, crianças, cabia empilhá-las. Comer puxa-puxa e tomar garapa fazia-nos esquecer dos ferimentos ganhos na labuta.
A colheita de amendoim era uma festa. Depená-los tinha gosto de rapadura com melado. A do feijão não era das mais cansativas. Arrancá-los da terra, tranquilo; abrir as vagens e peneirá-los, problemão. Saborear um caldo de feijão feito por vó Hilda, o manjar dos anjos.
Hum! Pela manhã, íamos à escola de Dona Nativa, onde fazíamos teatro e outras atividades artísticas.
No fim do dia, ajudávamos nossas mães a dar comidas aos bichos, catar lenhas e gravetos, recolher roupas e encher talhas d’água.
Banho tomado, estômago alimentado, uma caminha para o corpo repousar.
Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 31/07/2017
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