Ilda Maria Costa Brasil, Celeiro da Alma

"Sonhar é acordar-se para dentro." Mario Quintana

Textos



FIM DE UM SONHO
 
Madrugada chuvosa. Trimmm... Trimmm... Trimmm... Corro para atender ao telefone. Ao chegar à sala, ele para de tocar. Olho o relógio: 4 horas. Segundos depois, volta a tocar. Trimmm... Trimmm... Trimmm... Ao pegar o aparelho da base, ouço alguém perguntar:
O que a senhora é do Sr. Marcos Arthork?
Eu... Meu Deus a ligação caiu. O que terá acontecido? 
Inquietude abriu portas, devastou campos e rompeu distâncias.
 
Julho de 1987. Ponte aérea: Porto Alegre – Uruguay. Intercâmbio escolar.
 Sora Adli, sente-se aqui. Fique conosco. Em que hotel vocês ficarão?
A garotada estava bastante descontraída.
No ir e vir, um passageiro chamou-me a atenção. Durante o voo, esse senhor se manteve atento à sua leitura: “O estrangeiro”, romance de Albert Camus; mantendo-se alheio às brincadeiras dos estudantes.
No Aeroporto Internacional de Carrasco, em Montevidéu, famílias aguardavam os alunos. Após acomodá-los, o Diretor do Colégio, com o qual estamos fazendo o intercâmbio, levou-nos (professores gaúchos) ao NH Montevideo Columbia. Ao despedir-se, avisou que, mais tarde, pegar-nos-ia para jantarmos no colégio com os professores uruguaios.
Enquanto fazíamos o Check-in, um funcionário perguntou quem era a Profª Adli, havia uma entrega para ela. Um tanto constrangida, identifiquei-me. Ao receber o buquê de rosas, enrubesci. No cartão, um admirador. Por mais três ocasiões, foram-me entregues flores.
Depois de trinta dias na pátria do renomado escritor Eduardo Galeano, retornamos à capital sul-riograndense. Qual surpresa! O leitor de Camus encontrava-se no mesmo voo que nós. Esse trazia nas mãos o livro “A Metamorfose”, novela de Franz Kafka.  Confesso que me senti atraída.
No Aeroporto Internacional Salgado Filho, após despedidas, enquanto me dirigia a um táxi, o Leitor foi ao meu encontro. Apresentou-se, dizendo ser pai de três filhos – duas meninas e um rapaz, viúvo, advogado e estar interessado em conhecer-me. Perplexa e trêmula, balbuciei meu nome e disse-lhe ser divorciada e mãe de quatro filhos – duas meninas e dois rapazes. Sorrindo exclamou:
– Que linda família formaremos!
Trocamos telefones e cada um entrou num táxi.
Ao chegar à portaria do meu prédio, um buquê de rosas me aguardava. No cartão: “Sora Adli, no sábado, almoçamos juntos para integrarmos as famílias. Ligo no decorrer da semana. Abraços.”
Creio nunca ter recebido flores do ex-marido.
O primeiro encontro e os que se sucederam, foram incríveis: empatia recíproca. Marcos planejava mudar-nos para a casa dele que era grande e tinha espaço para acomodar a grande família.
Como advogado, viajava com frequência.
 
Trimmm... Trimmm... Trimmm... Corro ao telefone.
– Quem fala?
– Senhora, o Sr. Marcos Arthork sofreu um acidente grave.
– Onde aconteceu? Quando? Como ele está?
– Ele faleceu.
O chão faltou-me. Não foi fácil percorrer os caminhos das emoções. Pensamentos e lembranças, arrasados e tristes, pulavam de um lado a outro, em busca de coragem para ir ao encontro dos seus filhos e dar-lhes a trágica notícia. Nossas crianças souberam gerenciar a perda melhor que eu.
O laudo da necrópsia foi que Marcos enfartara antes do carro capotar.
Nesse desastroso dia, a certeza de que meu coração ficara embaçado por sonhos interrompidos e minha alma, sem força, para buscar luzes em meio a sentimentos e emoções destruídos.
Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 05/07/2016
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