O RELÓGIO
Quando criança, sempre que ia à casa de meus avós paternos, sentia-me atraída por um relógio Cuco, que havia na sala principal, e por uma belíssima Cristaleira. Em minha imaginação, acreditava que o Cuco saía de sua casinha para me dar boas-vindas; um segredo só nosso.
Custei a entender que “esse gesto” marcava as horas. Vovô Vicente dizia:
– Quando eu e a tua avó nos formos, o Cuco e a Cristaleira serão teus.
Vovô faleceu bem jovem; vovó durou muitos e muitos anos. Fatalmente, no dia em que eu assinei a minha separação, o que me impossibilitou de comparecer ao seu funeral e reivindicar os presentes de meu avô.
Meses depois, indo a Restinga, procurei saber com quem estavam o Cuco e a Cristaleira. Informaram-me que a Cristaleira tinha sido deixada na casa de meus pais e encontravam-se na garagem fechada; o Cuco, meu primo mais velho ficara com ele. Pensei em procurá-lo e reivindicá-lo. Era meu. Fora um presente de meu avô ganho quando criança. Meus pais acharam melhor deixar as coisas como estavam.
Tal perda fez-me sofrer muito. Com o Cuco foram-se sonhos de uma menininha que, por muitos anos, acreditou ele cantar só para ela. Restava-me a Cristaleira. Programei-me para, um dia, restaurá-la e levá-la para Porto Alegre.
Frente às mudanças, após minha separação, fiquei um tempo sem ir a Restinga. Numa de minhas visitas, achei falta da Cristaleira. Ao perguntar por ela, soube que meu tio a havia dado a um de seus netos, que, em breve, iria casar. Esse a mandou restaurar e a tem na sua sala de estar.
Do material, nada me restou; mas, o amor, que lhes tinha, ninguém me tirou.