Ilda Maria Costa Brasil, Celeiro da Alma

"Sonhar é acordar-se para dentro." Mario Quintana

Textos



OS SEGREDOS QUE AS TELAS CONTAM...
 
Certa ocasião, ao visitar uma exposição, na Casa de Cultura Mario Quintana, fiquei fascinada por algumas aquarelas e por bicos de pena. Uma artista plástica expunha vários quadros em que reproduziam coloridas borboletas, as quais estavam em espaços e em planos diferentes. No primeiro quadro, uma borboleta por trás de uma janela fechada, e outras duas fora, voando numa mesma direção. As flores da floreira que se encontravam no peitoril da janela estavam murchas, pareciam tristes e sofridas, tal qual a borboleta do interior da casa; o segundo, um vaso grande matizado que tinha parte de sua base quebrada e os fragmentos eram roxo, cinza e azul turquesa. Perto dos pedaços roxo e cinza, uma borboleta com as mesmas cores daquelas que se via no primeiro quadro, porém com as asas caídas e, acima do pedaço azul, duas outras, num plano superior, voando com vivacidade; o terceiro trazia um baú de cerejeira, antigo e escuro, colocado à direta de uma sala de estar, próximo à porta de entrada. Pousadas em objetos que estavam sob o baú, três borboletinhas que transmitiam energia e vida aos outros seres que se encontravam no ambiente, uma maior e duas, praticamente, do mesmo tamanho. No alto, uma borboleta grande que parecia estar protegendo, com as suas asas, as menores; o quarto quadro era o que mais retinha a atenção de todos. Estava dividido em duas partes: a da esquerda trazia um céu negro, com nuvens acinzentadas e riscos luminosos que reproduziam raios e, ao chão, muitas folhas e árvores secas, entre as quais se via uma borboleta rosa, completamente desprotegida; à direita, um céu azul belíssimo e, ao chão, muitas flores coloridas e plantas verdes. Acima de um canteiro de rosas brancas, duas borboletas, as mesmas que aparecem nos quadros anteriores. O quinto quadro, último daquela série, mostrava-nos a fachada de um prédio de doze andares com um amplo jardim repleto de muitas palmeiras, folhagens, arbustos e flores. Nesse cenário, reapareciam a borboleta rosa pousada num galho florido e as três menores voando sobre as flores. Nesse, ainda se via uma borboleta maior voltada para as menores e que parecia aguardá-las.
Não sei quanto tempo permaneci observando esses trabalhos. Olhei os demais, mas algo me empurrava à frente dos cinco primeiros. Após ir e vir, aproximei-me do “marchant” e perguntei o preço dos quadros. O rapaz disse que, na compra de mais de três peças, a artística estava parcelando em três vezes (cheques para 30, 60 e 90 dias). Comprei-os e voltei a admirá-los, momento em que tive a oportunidade de conhecer a responsável por tamanha beleza e sensibilidade – uma senhora de meia idade, de baixa estatura e um tanto triste. Conversávamos quando fomos interrompidas pelas palavras de um senhor que, espontaneamente, expressou alto os seus pensamentos: “Belíssimo trabalho, embora retrate uma triste história de amor!” A artista pediu-me licença e afastou-se. Aproximei-me do senhor e perguntei-lhe em que embasava o seu comentário? Disse-me que era psiquiatra e que via, naquelas telas, o fim de um relacionamento conjugal. Passei mais uma vez os olhos nos quadros e considerei sua interpretação lógica e coerente. Logo, deduzi que minha atração por aqueles quadros era porque, indiretamente, registravam, também, uma fase de minha vida, e que bastaria acrescentar-lhes mais uma borboleta pequena.
Seis meses depois, realizou-se uma Exposição de Artes, no salão de festas do prédio onde eu morava, para a qual recebi convite. Durante o coquetel, reencontrei a artista que havia pintado os quadros que eu havia adquirido na Casa de Cultura Mario Quintana, e descobrimos ser vizinhas. Com o passar do tempo, tornamo-nos grandes amigas, e a leitura feita pelo psiquiatra fora confirmada. Minha amiga diz que tudo aconteceu inconscientemente, pois, até ouvir o meu relato, não havia percebido ter retratado uma fase de sua vida em seus quadros. Foi algo que lhe aflorou do mais profundo de si.
Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 03/06/2010
Alterado em 09/01/2014
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