A RESTINGA SECA DA MINHA ADOLESCÊNCIA... Na tarde chuvosa do dia 28 de fevereiro do presente ano, enquanto descia a Júlio de Castilhos, avenida principal de minha cidade natal, concentrei meu olhar nos movimentos das águas que corriam próximo ao meio fio da calçada. Esses movimentos eram velozes e fascinantes. Cada um parecia traçar uma história. Havia altivez, coragem, independência, força, naturalidade e beleza.
O momento permitiu-me extravasar meus pensamentos, isto é, abrir as comportas que estão, fielmente, armazenadas em minha memória. Recordações, saudades e lágrimas uniram-se na construção de uma época gostosa de amizade, de muito respeito e de encontros. Aos poucos, o vazio deixado pela ausência e a doce lembrança da alegria e da espontaneidade de alguns amigos: Onívio Malke, Sérgio Kontze e Luís Antonio Husek, que partiram cedo demais, trouxeram-me tranquilidade e certezas. Muitos foram os anos em que reprimi minhas emoções, acreditando estar sendo forte e corajosa; todavia, hoje, sei que minha atitude representava medo do amanhã e receio de cometer erros dos quais poderia vir a me arrepender. A magia das águas, que ocupava a rua, levou-me a um passado longínquo e, consequentemente, a reviver alguns momentos agradabilíssimos de minha adolescência: as Tunas, uma pequena praia de água doce, praticamente nativa, que recebia, no verão, poucos banhistas, mas que nos acolhia com carinho; o Colégio Nossa Senhora do Calvário; as aulas de matemática e de geometria do Professor Hermeto Disconzi, o qual nos transmitiu o gosto pelas exatas; as reuniões de estudo na casa da Marli e da Ledi Beladona; os trabalhos de pesquisa à sombra do arvoredo na casa da Josélia Vieira da Cunha; as pescarias no açude do seu Antônio Beladona; as tardes dançantes de domingo no Clube Seco; os matines no antigo cinema da cidade; as bagunças na casa da Glorinha Cantarelli, quando saboreávamos muitas frutas e algumas garrafas de refrigerantes; os encontros na casa do Zé Nelson Moraes antes da visita à Caixa D’Água, onde ficávamos horas e horas sentados a sua sombra; as brincadeiras na sanga que passa embaixo da ponte dos trilhos; os bate-papos na frente do Hotel Central dos pais do Cláudio Magoga; as caminhadas nos trilhos até a ponte seca; as reuniões com o seu Paulo Mostardeiro a fim de redigirmos a coluna social do Jornal Restinguense, assim como as participações no Grêmio Estudantil do Colégio Nossa Senhora do Calvário. As lembranças são muitas; entretanto, uma delas foi geradora de intensa satisfação e fraternidade, a de termos conseguido, junto à diretoria do Clube Seco, a permissão de que nossos colegas negros participassem do baile de formatura do Curso Científico que o Colégio realizaria no local. Sentimo-nos vitoriosos, pois, na metade da década de 60, quebramos o preconceito. Por um instante, achei que o guarda-chuva estivesse com problemas, pois, ao passar a mão no rosto, percebi que estava umedecido - lembranças e lágrimas haviam se entrelaçado. Como seria bom reencontrar meus ex-colegas! Alguns, provavelmente, foram audaciosos e realizaram seus sonhos; outros, receosos de cometerem erros ou de vivenciarem derrotas, não se arriscaram, limitando-se à construção de histórias sem aventuras e sem recomeços. Uma certeza agradável e fascinante, a Restinga Seca da minha adolescência está e sempre estará viva em minha memória, pois fora pintada por muitas mãos amigas, dentre elas, as de Tarcizo Bolzan, Maria Sartori, Sonia Bolzan, Lígia Baisch e Rejane Maffini, que ajudaram a escrever a história da nossa adolescência, de nossas vidas, da nossa Querida Cidade e que fazem parte da minha própria história. A nossa Restinga e o nosso viver eram um mar de felicidade e de companheirismo! Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 30/05/2010
Alterado em 09/01/2014 Copyright © 2010. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |