Ilda Maria Costa Brasil, Celeiro da Alma

"Sonhar é acordar-se para dentro." Mario Quintana

Textos



AS AVENTURAS DE UM FERROVIÁRIO...

Numa pequena cidade do interior, vivia um humilde funcionário da Viação Férrea com a sua família. A esposa costurava para fora, ajudando nas despesas da casa. Não possuíam grandes riquezas materiais, mas quem chegasse àquele lar, percebia que era provido de uma imensa riqueza espiritual: companheirismo, amizade, carinho e simpatia. Os filhos do casal frequentaram as melhores escolas da cidade e os cinco fizeram curso superior. Também moravam com a família, os pais da mulher.
Seu Ronaldo, por ser uma pessoa bastante carismática, cultivou grandes amizades. Todas as manhãs, saia cedinho para o trabalho, levando as marmitas, ainda quentinhas. Costumava almoçar na companhia dos colegas, sendo responsável por alguns minutos de descontração, pois enquanto aguardavam o horário do retorno às atividades, contava causos ao grupo. Após, recolhia seus pertences, guardando os talheres dentro das vasilhas.
Por longos meses, essa rotina repetiu-se, normalmente, porém, certo dia, enquanto fazia seu trajeto de casa ao trabalho, Seu Ronaldo, que conhecia a rua nos seus mínimos detalhes, ouviu uma voz doce e suave que cantarolava uma linda canção. Parou, olhou para o alto da janela e inclinou a cabeça num gesto de reverência. A dama sorriu e escondeu-se atrás da cortina. Esse episódio deu início a um flerte e, a rotina de um casamento e a fraqueza humana, levaram-no a uma aventura amorosa. O extrovertido senhor foi extremamente cauteloso e nada falou de si, ao passo que a dama foi logo avisando que era casada, mas que o seu relacionamento com o marido estava desgastado: "O marido era um panaca que só pensava em trabalho e, ela, uma pobre mulher abandonada, sozinha e triste!" Sedutoramente, convidou-lhe a entrar em sua casa. Conversaram e combinaram encontrar-se duas vezes por semana. Quando enxergasse, na janela da frente, um pano branco, era sinal que os cachorros estavam presos e o caminho, livre; logo, poderia chegar. Todavia, se o pano fosse vermelho, não deveria aproximar-se, pois o marido estava em casa.
Os meses passavam e os amantes curtiam os seus momentos de volúpia. O ferroviário demonstrava maior preocupação com a aparência e justificava seus atrasos à esposa, dizendo fazer hora extra para aumentar o rendimento. Os amantes, coitados, não imaginavam que os seus encontros estavam com os dias contados, pois a vida estava para aprontar-lhes uma desastrosa surpresa.
Num fim de tarde, Seu Ronaldo retornava do trabalho alegremente e cheio de fantasias, controlando os minutos que lhe afastavam da calorosa alcova. O entusiasmo era tanto que, ao olhar para a janela, não percebeu que havia, em cada canto, um pano diferente. À esquerda, um branco e, à direita, um vermelho.
Com cuidado, abriu o portão e entrou. Com passos largos, alcançou a porta dos fundos. À medida que girava a maçaneta da porta, ouviu gritos que vinham do interior da casa: "Ladrão! Ladrão!" Era a amante que dizia ao marido que havia alguém.
O ferroviário apavorou-se e começou a correr. Enquanto fugia do local, os talheres eram jogados de um lado ao outro, fazendo um imenso barulho dentro das marmitas e atiçando os cachorros que estavam ao seu alcance, mas que durante as suas furtivas visitas, eram mantidos presos. Ao passar na cerca de arame farpado, teve a infelicidade de ficar preso pelo cós da calça, sendo obrigado a defender-se dos cachorros, atacou-os com as marmitas. Com os movimentos bruscos, a calça se rasgou e ele conseguiu safar-se da confusão que se metera.
Ao chegar à sua casa, tomou banho, jantou calado com a família e, alegando ter tido um dia exaustivo e estar com muita dor de cabeça, recolheu-se a seus aposentos, prometendo a si mesmo dar fim as suas aventuras amorosas.


 
Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 25/04/2013
Alterado em 09/01/2014
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